S@pphire

 
registro: 06/05/2010
Evolua tanto que os outros precisarão conhecer você de novo.
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1 ano 155 dias h

O MEU LUTO...

Foi então que tu olhaste para mim. Olhaste para mim
e fechaste a porta. Era hora de partir. Tu sabias isso. Eu também.
Assumiste-o apenas quando eu ainda o negava.

Havia no meu peito mais medo do que amor. Era tanto o medo que só me
apercebi do que sentia quando fechaste a porta e dei por mim sozinha
entre a nudez e a escuridão. Porque eu sabia que não a voltarias a
abrir. Nunca mais.

De um modo simplista pensei trajar negro novamente. Mas não havia sequer
um sentido em fazê-lo. O meu mundo já não tinha cor sem ti. Não havia
sol. Não havia luz. Havia apenas um conjunto de pessoas a preto e
branco, movendo-se num mundo morto. Não havia ar. Não havia sequer um
vislumbre de felicidade. Era esta a minha certeza, depois da porta ter
batido.

Assim, em vez de nascer na minha roupa, o meu luto nasceu em olhares
vazios e na solidão crescente do meu coração meio-morto. Nenhum toque
podia ser mais do que um ataque à minha pele e nenhuma palavra podia ser
suave aos meus ouvidos. O mundo embruteceu, como se toda a humanidade
tivesse desvanecido. Não havia lugar para mim. Talvez porque nunca tinha
havido lugar para nós.

Foi só hoje que, a medo, me levantei da cama. Ainda está escuro. Ainda
está frio. Ainda é Inverno. Os meus passos nus no chão ecoam medo pelo
quarto. Só quero abrir a porta outra vez. Quero não estar à espera de te
ver do outro lado, como se estivesses à minha procura, como se tivesses
estado sempre aí.

Quero dar conta da lonjura da minha própria solidão. Saber que a minha
pele não pode esperar para sempre pelo teu toque e que os meus ouvidos
não podem obedecer apenas ao teu chamamento.

Tu olhaste para mim. Sabias que era hora de partir. Não mo disseste.
Fechaste a porta atrás de ti e foste embora como se eu não importasse.
Porque eu não importava. Eu nunca importei.

Fechaste a porta e eu prometi-te o meu luto. O meu luto foi a minha
vida. E, durante um ano, a minha vida não foi vida. Então, hoje, pintei
novamente as ruas do meu mundo, ouvi outras vozes, senti outros toques.
Ainda assim, quero que saibas que tu serás sempre tu. Mais uma moldura
sem foto na parede vazia do meu passado. Mais uma peça do meu tempo
perdido em lágrimas secas. Mais uma pessoa que não soube ver que eu
posso ser mais do que um olhar e uma porta fechada.

 




Marina Ferraz